segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Ato Ecumênico dos Direitos Humanos e a “faixa ao lado”
Dia 15 de janeiro, terça-feira, completou um mês da morte do adolescente Juninho e, com certeza, foi data marcante não só para os membros desta família, mas para outras muitas que como esta teve seu filho morto pelas conseqüências da violência policial. No Ato Ecumênico ocorrido na Praça Rui Barbosa, promovido pelo recém-criado Grupo Contra a Violência e Violação de Direitos Humanos, pudemos observar inúmeras faixas das diversas famílias que, enlutadas, exigiam justiça e punição aos envolvidos. No entanto, o que me chamou a atenção foi um protesto isolado, não dos participantes, mas de um dos moradores vizinhos da Catedral que, ao ficar sabendo dessa manifestação legítima, se posicionou através de uma faixa em sua sacada com os seguintes dizeres: “Direitos humanos pra quê? Pra manter as maças podres da sociedade?” Bem, é válido que esse indivíduo manifeste sua opinião, no entanto, ao se manifestar publicamente o mesmo deve estar preparado para registrar as respostas à sua atitude. E assim o faço. Tratar do assunto violência em uma sociedade de classes é extremamente complexo. Penso que essa temática pode ser compreendida sob o prisma de alguns aspectos que norteiam as análises e originam práticas como, por exemplo, as que observamos quando um adolescente é assassinado e torturado por policiais. Arrisco-me a uma reflexão incipiente e acredito que três posições fundantes possam dar conta (de forma bem generalizada e superficial) das atitudes que movem as opiniões com relação a um mesmo fato:1) Por um lado, existem aqueles posicionamentos baseados no que há de mais retrógrado e conservador em relação aos fatos e acontecimentos. Estes acreditam na supremacia de alguns indivíduos ou etnias; valorizam o individualismo em detrimento das ações coletivas; consideram os problemas sociais como um distúrbio do sistema capitalista e que determinados segmentos da sociedade como as camadas pobres, as periferias, as favelas, os desempregados assim o são ora por determinação genética, ora por exclusiva falta de vontade de mudar e os denominam, em termos vulgares, como os “vagabundos” inatos de uma determinada parcela social. Desconsideram fatores externos na formação humana, como por exemplo a questão material e o contexto a qual o indivíduo foi submetido, isto é, se tem ou não o que comer, o que vestir, onde morar, com que andar, onde se divertir, onde estudar, etc. Muitos indivíduos por opção fundamentada teoricamente tomam esse posicionamento. No meu ponto de vista, essa é a forma mais fácil de compreender o que nos cerca, e também a maneira mais superficial, por isso o senso comum e a visão estática e linear do mundo andam de mãos dadas a posicionamentos que legitimam ações violentas contra seres humanos. Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Pinochet, Médice, Busch e muitos outros concordariam com esse modo de agir.2) Por outro lado, há aqueles que contestam essa forma de ver o mundo e consideram muitos outros fatores que acabam determinando ações e situações. Situações essas que, mal compreendidas e ligeiramente analisadas, desencadeiam conclusões míopes e atitudes paliativas. Ao analisar um fato deve-se considerar as contradições mais gerais e as conseqüências destas no cotidiano particular, isto é, no dia-a-dia de cada um. Como sou professor, vou tomar como exemplo a vida de alguns alunos (e ótimos, diga-se de passagem) que já tive. Dei aula ano passado no Pq. Jaraguá e como muitas outras periferias esta é desprovida de opções para lazer, emprego, de assistência médica, enfim, tudo o que muitas vezes a zona sul da cidade tem de sobra. Assim como outros professores, tenho alunos que, aos 10 anos de idade já incorporou a “esperteza” necessária para sobreviver nesses lugares. Certa vez um aluno me ensinou a esconder um 38 no piso. O que me surpreendeu não foi o truque de esconder a arma, foi saber que o menino estava por completar 11 anos. . Outros alunos, de mesma idade, já sabem os nomes dos diversos tipos de entorpecentes e outros, conhecem os “irmãos” (PCC). Dialogando com eles vamos descobrindo que, geralmente, suas famílias (quando tem) passam por grande dificuldade financeira e chegam a dizer que banho quente no chuveiro é coisa de playboy. Infelizmente estes fazem parte das estatísticas dos quase cerca de 35% dos brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza. Conheci muitos outros cujo pai estava preso, a mãe bebia, o pai espancava, o irmão estava no IPA, etc. Outros vendiam bala nos sinais para poder comer alguma coisa. Agora me pergunto: que tipo de indivíduo será uma criança que desde de muito jovem diariamente vive e recebe a resposta de que dificilmente terá uma vida diferente e que sonhar já não adianta mais? O tráfico bate na porta oferecendo dinheiro fácil e chances reais de poder comprar não só o Jogo da Grow que passa na tela global e que tanto viu na TV. Que decisão ele irá tomar? Na maioria dos casos já sabemos a resposta. Nesse sentido, são esses “pequenos detalhes” que precisamos levar em conta quando analisamos muitos acontecimentos envolvendo jovens e adultos na criminalidade. As análises que promovem as políticas públicas e desencadeiam ações se pautam no que estamos aqui discutindo. Para se combater a violência o Estado deve enfatizar a repressão e utilizar até tortura? Essa medida não faz parte da posição 1? Acredito que sim. Visão linear, superficial e paliativa. O combate à violência passa, antes de mais nada, pelo combate à desigualdade social, à falta de condições dignas de vida para um ser humano. Portanto, discutir uma questão polêmica como essa é muito mais complexo (e eu nem daria conta) e exige uma reflexão muito maior do que aqui foi exposto. Por isso o senso comum prolifera-se tão facilmente.3) Não vou me alongar, porém, o indivíduo responsável pela faixa ao lado do Ato Ecumênico e todos aqueles que simpatizam com tais dizeres, acredito que se enquadram nessa última posição que com poucas palavras pode ser descrita. Não fazem parte da primeira posição a qual descrevi, que se baseia, ainda que de forma míope, em algumas teorias próximas até de um facismo-liberal, nem tão pouco no segundo grupo de posições cuja matriz filosófica perpassa, ainda que muitas vezes de forma inconsciente em muitos lutadores sociais, pelos princípios do materialismo histórico-dialético. No meu ponto de vista, esse terceiro grupo pode ser caracterizado simplesmente como produtos simples e acabados do senso comum, ou ainda, reprodutores de terceira mão do pessoal descrito no primeiro grupo que, geralmente, pertencem a uma classe dominante muito bem dotada financeiramente e estes, infelizmente, propagandeiam, ora querendo ora não, a ideologia dominante. Portanto, discutir a questão da violência em uma sociedade de classes extrapola a mera utilização de adjetivos rasteiros e permeados de um pré-conceito. Deixo aqui uma mensagem ao indivíduo responsável por aquela faixa: ao invés de discutir as “maças podres” que você citou, porque não discutimos a situação do cesto que deixou que estas maças apodrecessem? Jean Zeferino - professor e sindicalista
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