quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

“É difícil fazer justiça a quem nos ofendeu”

Um espectro ronda a América Latina: a voz daqueles que não se calaram ao longo de séculos de espoliação de nossos recursos naturais e de nossa gente explorada! “Por que não se cala”, brada a monarquia anacrônica. Por que haveremos de calar nossas próprias bocas e sonhos agora, em plena democracia? Essa democracia que, como prova a história, os reis sempre foram contrários. A democracia não é uma dádiva divina, mas é um conquista dos próprios homens que, combatendo a escravidão, o absolutismo, o servilismo, se colocaram ombro a ombro com o que a história possibilitava de mais avançado para o desenvolvimento da humanidade. Mais recentemente, a nossa tão jovem e débil democracia foi conquistada com o assassinato e o desaparecimento de milhares de seres humanos. Custa-me a acreditar que, aqueles que apoiaram o golpe de 1964 no Brasil e nos demais países da América Latina e suas criminosas décadas de ditaduras, lancem sobre o atual governo venezuelano a acusação de desrespeito à democracia e a intenção de instalar uma ditadura. Que disseram essas criaturas em 2002 quando a elite econômica e militar articulou um golpe de estado contra o governo Chavez, democraticamente eleito pelo povo venezuelano? Calaram-se! Que disseram as “Rede Globos” de televisão e os “grupos Abril” sobre o ataque à democracia na Venezuela em 2002? Que disseram sobre a fraudulenta eleição no México em 2006? Que disseram sobre os arquivos das ditaduras ainda não revelados? Disseram para o povo: Por que não se cala?! Mas como calar um povo que vê crescer nas periferias e nas favelas postos de saúde e escolas? Como calar um povo que vê a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais e com reajustes salariais significativos? Como calar um povo que, através do poder popular organizado, inicia a experiência de decidir sobre o seu próprio destino? Não há como, pois democracia não é calar um povo, mas ouvir sua voz! Não é muito difícil entender o porquê nos mandam calar a boca: quando a democracia falha para os interesses daqueles que enriquecem com a miséria dos trabalhadores, empregados ou desempregados, os exploradores deixam revelar, num visível desespero pelo poder, a sua verdadeira face antidemocrática e nos mandam calar a boca. Eduardo Galeano, em seu livro As Veias Abertas da América Latina, diz-nos, e nos prova com dados históricos, inclusive de documentos oficiais, que o subdesenvolvimento não é uma fase do desenvolvimento, mas é sua conseqüência. Nosso subdesenvolvimento é a conseqüência do desenvolvimento de países que há séculos nos exploram, desde a extração do pau Brasil até a privatização da Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo. Concordemos ou não com todas as ações do governo venezuelano, cabe-nos o bom-senso e a solidariedade para entendermos as possibilidades que a história nos coloca. Que os trabalhadores de todo o mundo se unam, pois quando um rei – que é cria do fascismo de Franco – manda um presidente democraticamente eleito calar a boca, manda não só o presidente, mas o povo que o elegeu e todos aqueles que respeitam a democracia. Ora, queres saber o por que não nos calamos? Porque, como disse Simon Bolívar, “é difícil fazer justiça a quem nos ofendeu”.

Carlos Eduardo Carneiro - professor da rede pública estadual

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